Jesus
nas bodas de Caná
Ao considerar a leitura de um livro bíblico, um dos fatores
que mais facilita a compreensão é identificar quem são os destinatários
iniciais, os propósitos do autor ao escrever e quais situações ele deseja
destacar em seu texto.
·
Marcos escreve de forma consideravelmente objetiva, tratando exclusivamente dos
milagres de Jesus, como uma narração de fatos, com poucos sermões, sem
parábolas e genealogias. Este foi o
primeiro a ser escrito, dando origem aos demais.
·
Mateus toma como base o texto de Marcos e
adiciona a genealogia que atendia seu objetivo, que era apresentá-lo aos
judeus, por esta razão a genealogia parte de Abraão e ressalta o fato de ele
ser descendente de Davi, logo é de linhagem real.
Para apresentá-lo como rei, o conceito de reino de Deus é
apresentado, parábolas do reino, cumprimentos de profecias do antigo
testamento, tudo para ressaltar este objetivo.
· Lucas,
torna ainda mais denso o relato, ao tratar de forma mais extensa a genealogia e
considerando que ela se trata de um texto escrito aos gentios, ele abrange toda
a humanidade, indo até Adão. Também relata os milagres de forma mais detalhada,
em ordem cronológica.
De forma que os três evangelhos são fundamentados nas
mesmas histórias, com algumas adições de sermões ou genealogias ou detalhes, de
acordo com o propósito de seus escritores.
· João
não tem nenhuma dessas preocupações, no fim de sua vida, considerando a sua
proximidade de quem se deitava sobre o peito de Jesus, ele não inicia a
genealogia de Jesus lhe relacionando a nenhum homem, mas diretamente a Deus.
No princípio era o verbo, o verbo estava com Deus e o verbo
era Deus.
João também tem uma preocupação apologética, crescia nos
dias dele uma heresia que quase acabou com o evangelho, dada sua atratividade e
semelhança com a fé Cristã.
O Gnosticismo se ampliava com muita força, de
forma sincrética, liberal e obscura.
Considerando
a crescente heresia gnóstica, João faz um relato ressaltando a divindade do
verbo vivo que habitou entre nós.
Os milagres aqui tratados são em sua maioria não citados nos sinópticos, são
escolhidos propositalmente por João para cumprir seu objetivo que está no
término do livro:
“Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros
sinais, que não estão escritos neste livro.
Estes,
porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e
para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
João 20:30,31”
João deseja de forma crescente apresentar sinais da
divindade de Jesus, logo estes milagres não se trata de uma escolha aleatória,
mas cada um deles aponta para um aspecto que atesta a divindade de Jesus.
Os milagres foram tantos que João diz que se tratados, o
mundo não comportaria os relatos, sendo uma grande biblioteca, não dariam conta
de abrigar os escritos com seus significados.
João então seleciona sete sinais de Jesus, a saber:
·
O milagre nas bodas de Caná
·
A cura do filho do oficial
·
Jesus cura um inválido em Betesda
·
Jesus multiplica os pães
·
Jesus anda sobre o mar
·
Jesus cura um cego de nascença
·
Jesus ressuscita a Lázaro
Nós devemos cuidar para que ao olhar para os milagres em
João, não vejamos apenas a narração dos fatos, pois, ela é secundária, em João,
todos os milagres de Jesus são sinais.
Quando vemos uma placa, não é a ela que damos a
atenção, mas ao que ela sinaliza. Ao ver um sinal de lombada a 50 metros, não
nos preocupamos com a placa, mas com o que ela mostra.
O milagre em João não é um fim em si, mas é como um dedo
que aponta para algo, não devemos neste sentido nos ater ao dedo, mas ao que
ele tenta demonstrar.
Os milagres de Jesus têm um lado “B”, tem algo a mostrar, ao longo desta série
vamos descobrir mais sobre Jesus, entender que ele não é só um milagreiro, ele
é o Deus encarnado e tem todas as características para isso.
O casamento
A esta altura Jesus tinha 6 discípulos, Jesus é convidado a
uma festa no terceiro dia.
(Terceiro dia pode ser três dias depois do recrutamento dos
discípulos ou a terça-feira que era um dia padrão de casamentos judaicos).
Jesus é convidado talvez por estar com Natanael, que
aparentemente era de Caná, se tratando de uma festa que ganhava proporções
provinciais, é possível que Jesus tenha ido a convite do seu novo discípulo
para esta festa.
A outra possibilidade é que a mãe de Jesus tenha sido
convidada e quis seu filho por perto, este agora andava com seus discípulos
para todos os lugares e fez questão de levá-los.
A festa de casamento naquele contexto tinha algumas
semelhanças às de hoje.
·
Quando somos convidados a um casamento,
recebemos com honras o convite, por se tratar de um dos momentos mais
importantes da vida de uma pessoa.
·
Em toda festa, nós naturalmente olhamos num
primeiro momento a organização, o espaço, a decoração, mas o fator mais
relevante é a refeição.
Quem organiza uma festa que oferece um local sofisticado,
aconchegante, mas não se preocupa com o que servir aos seus convidados, acaba
por colocar todo o resto das coisas em descrédito.
Isso é tão intenso, que mesmo uma festa não tão organizada
ou bonita, mas que tem uma boa comida, é salva por esta última característica.
·
Se hoje ainda as pessoas falam sobre uma festa
sem comida, se ainda hoje descartam festas em virtude disso e murmuram,
considere na cultura do oriente médio em que os conceitos de honra e vergonha
eram muito mais intensos o quanto era grave alguém não ter comida num
casamento.
O casamento naqueles dias ganhava dimensões
enormes, pois, parentes dos mais diversos lugares e amigos, vinham a casa dos
noivos.
A festa durava uma semana, regada a vinho e banquetes, era um ato inaugural do
casamento e dizia muito para a sociedade dos seus dias como seria a relação
dali em diante.
O casal iniciava as bodas com os convidados, se
retirava para os atos nupciais e então se estendiam por sete dias.
Tim Keller diz no livro encontros com Jesus
“O propósito do casamento não era a felicidade
de dois indivíduos acima de tudo, mas a união da comunidade e o início da
próxima geração. Em outras palavras a finalidade do casamento era o bem dos
cidadãos. Quanto maiores, mais fortes e mais numerosas as famílias de uma
cidade, melhor a economia maior a segurança militar, maior a prosperidade para
todos. Isso tudo significava que os casamentos e as respectivas festas tinham a
importância muito maior do que hoje. Cada evento desses representava uma
festividade pública para a cidade inteira, pois o casamento tinha a ver com a
comunidade, não só com o um casal. Ao mesmo tempo, era também o maior
acontecimento da vida pessoal tanto da noiva como do noivo. Era o dia em que
atingiam a maioridade e se tornavam membros adultos plenos da sociedade. Não
surpreende, portanto, que as antigas festas de casamento durassem pelo menos
uma semana”.
Era demandada uma grande organização numa festa desta
proporção, são sete dias com pessoas entrando e saindo, sobretudo um povo muito
supersticioso, que associava tudo a aprovação ou reprovação divina.
Considere ainda que o casamento se daria numa cidade
pequena, naqueles dias com 3.000 habitantes, logo, qualquer erro tornaria
aquele casamento inviável.
O problema:
“E, faltando vinho, a mãe de Jesus lhe
disse: Não têm vinho.
João 2:3”
A luz de nossa cultura ocidental, estamos distantes do que
isso quer dizer, mas em alguns lugares, questões de comida, estão diretamente
relacionadas a cultura e o orgulho do povo.
Certa vez me assentei com portugueses em outro
país e foi servido um peixe dessalgado, de forma unanime todos desprezaram na
hora o prato, pois, diziam entre eles que em suas casas faltaram muitas coisas,
mas nunca faltara um peixe de qualidade, logo aquilo soou ofensivo para eles.
O vinho para o judeu tinha uma conotação semelhante, era
símbolo de alegria, era obrigatório em uma festa, para eles uma questão de
honra!
Quando o vinho acaba naquela festa, o cenário já estava
posto, havia apenas o vinho que os convidados estavam bebendo e possivelmente o
casamento ainda tinha dias a sua frente.
Ficar sem vinho neste contexto era o fim do casamento, iria
forçá-los a interromper a celebração antes do tempo, pois, a festa não
continuava sem ele.
Neste sentido o casal ficaria mal falado, por má
organização, por falta de cortesia com os convidados e numa cidade com esta
quantidade de pessoas rapidamente ficariam conhecidos.
Tratava-se de um enorme problema social para aquele casal
que estava nos seus primeiros dias.
“Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda
não é chegada a minha hora.
João 2:4”
O Papel de Maria
Há quem diga que Maria exerceu aqui um papel de
intercessão, mas seja o que for que ela tenha dito nas entrelinhas, a sua fala
trata-se mais de uma constatação do que uma intercessão, ela leva para Jesus um
problema e de certa forma tenta coagi-lo no que deve fazer.
Para Maria aparentemente está claro que Jesus é diferente,
que possivelmente ele tem poder, mas mesmo ela, não tinha visto nada, pois,
este era o primeiro milagre de Jesus.
Maria fala com Jesus como mãe, lhe dizendo o que deve
fazer.
Ao tentar exercer o papel que a igreja católica
hoje lhe dá, ela é posta em “seu lugar” por Jesus.
Jesus naturalmente não se arrependia das palavras que
dizia, nem falava coisas em vão. Mesmo em momentos mais delicados, Jesus media
muito bem suas palavras.
·
A sua resposta, mulher, que tenho contigo?
·
Não quer dizer em primeiro lugar, “o que tenho
a ver com você?” – Não é isso que Jesus está dizendo.
·
As traduções mais fiéis dão a entender “O que
isso tem a ver comigo e com você?”
De certa forma, Jesus dá uma resposta aparentemente muito
desproporcional a fala de Maria. Ela fala de vinho, do problema social, da
possível multa que terão de arcar, Jesus fala da sua hora.
Afinal o que era a hora de Jesus?
A hora de Jesus não é nada menos do que a morte na cruz.
Os noivos, a mãe de Jesus, os discípulos, todos, exceto Jesus estão vendo tudo
numa perspectiva natural e terrena.
Jesus desde o início da festa está olhando abaixo da superfície.
Jesus associa o suprimento de vinho a sua morte.
Jesus não veio
Jesus parece olhar muito distante, bem mais do que Maria
olhava.
Os noivos quando estão em casamento tendem a
estar com olhares distantes, pensativos, voltados ao futuro:
Como será o meu? Quando será o meu?
Jesus sabe que é o noivo, essa figura está em toda a
bíblia, o seu povo é a noiva, ele sabe que o custo para que a sua noiva, beba
do vinho da alegria, é que ele beba o cálice da ira, Jesus está com o olhar
voltado a cruz.
Jesus fala da sua hora, apontando para o futuro e vários
elementos apontam para isso:
1º - A outra vez que Jesus chamou
sua mãe de mulher, foi na cruz “Mulher eis aí o teu filho” – João 19.26
2º - Jesus estava observando como o
mundo enxergava Deus numa perspectiva de culpa e punição, na cultura judaica
estes elementos eram muito fortes, por isso haviam 6 talhas com água para
purificação.
3º - Jesus queria transformar a
relação entre Deus e os homens, ele remonta o plano original, quando Deus
desejava se relacionar com seu povo, mas o pecado os afastou.
Jesus quer transformar essa vida de culpa e limpeza, numa
vida de festa e alegria, ele fará isso pela cruz.
Ainda não era de fato a hora de Jesus, mas ele
dá daqui em diante sinais do que seria sua hora, por meio deste milagre.
Algumas atitudes mostram a mudança na postura
de Jesus daqui em diante:
1º - Jesus está olhando para a Cruz quando fala
de sua hora, este será o momento em que ele lavará seus discípulos, não mais
com água, mas com o sangue. Jesus dará a liberdade da culpa.
2º - Jesus usa o símbolo da purificação ritual
dos judeus para mostrar como sua obra é superior:
A assepsia era uma das questões mais pontuadas pelos judeus
em sua vida religiosa.
Essa preocupação externa em demasia era insuficiente, pois,
ela não purificava a consciência, existia oferta para tudo, mas nada limpava a
consciência do pecador.
Eles viviam se lavando, mas a relação com Deus nunca
parecia em dia, pois, na lei, um ponto não cumprido tornava o discípulo culpado
de toda ela. Era uma vida de tormento.
Jesus desejava mudar isso, é então que ele vai direto ao
sistema religioso, às talhas.
· Jesus
veio para transformar a religião numa relação de amor
· Jesus
tira toda a culpa
3º - Essa restauração que Jesus deseja fazer,
ele o faz a partir do que o homem é em essência:
Ao pedir que encham as talhas de água, Jesus está remetendo a aquilo que é a
maior parte do interior humano.
Jesus pede que entreguemos o que temos, o que somos de
fato, porque ele não precisa de contribuições adicionais.
Tudo o que temos é água.
Mas Jesus pede tudo, encher as talhas até em cima,
significa se entregar totalmente. Transformar quem somos é com ele.
4º - Jesus mostra para os mestres-salas da vida
que o vinho novo é melhor
Entregamos a Jesus a água que temos, ele nos faz mostrar ao
mundo “os mestres-sala” que tentam garantir a alegria das festas, que a
verdadeira fonte de alegria é ele.
5º - De forma simples – Jesus não vai te deixar
passar vergonha (Toda a operação de provisão ocorre nos bastidores).
6º - A verdadeira experiência de Deus sempre
gera a melhor versão humana (O vinho novo é melhor – V. 10)
7º - Quando Jesus usa uma metáfora para que possamos
enxerga-lo, ele está mostrando também como nos enxerga, neste caso, como noiva.
Jesus não veio a este mundo como convidado, ele
veio para morrer pela sua noiva.
8º - Jesus no meio de uma festa vislumbra sua
morte, para que nós do meio do cenário de morte possamos vislumbrar a festa
futura.
Mesmo que neste exato momento você se encontre em meio a
dor, beba da alegria que se aproxima. Só existe um amor, uma festa, uma coisa
capaz de realmente dar a seu coração tudo aquilo que ele necessita, e está tudo
a sua espera. Sabendo disso, você tem algo que o capacita a enfrentar qualquer
coisa. – Tim Keller
9º - Jesus transforma, água em vinho, religião
em festa, vinho em coisas – Warrem Wiersbie
10º - Não há realidade que não possa ser mudada
por Jesus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradeço seu comentário. Responderei o mais rápido possível.