Areia no templo – João 8
Jesus estava iniciando um período de oposição ferrenha ao
seu ministério.
Após diversas aparições públicas e manifestações claras, a
respeito de Jesus restou apenas a opção de admitir que de fato ele é o filho de
Deus ou rechaçá-lo como um enganador.
Os milagres se constituíam a introdução para falar de
coisas mais complexas sobre seu ministério e sua natureza.
Após um embate considerável a respeito da multiplicação dos
pães e peixes, Jesus vai a festa dos tabernáculos. Considerando o risco que o
cercava, Jesus fala aos discípulos que subam antes dele, dando a entender
inclusive a possibilidade de não ir.
Um alvoroço na festa se forma em torno da expectativa de
sua aparição, as pessoas discutiam entre si, se ele era de fato um profeta, ou
um enganador.
A festa durava sete dias, era a celebração de
Sucote. Chamada festa dos tabernáculos.
·
No meio da festa Jesus sobe ao templo e
passa a ensinar – João 7.14
·
Jesus causa um profundo alvoroço mais uma
vez, com uma série de falas veladas, os judeus procuravam prender Jesus, mas
não era chegada a sua hora – João 7.30,32
Após algumas outras falas veladas, no último dia, Jesus
finalmente faz sua principal afirmação:
“E no último dia, o grande dia da festa,
Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba.
Quem crê em
mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.
João 7:37,38”
Aqueles que desejavam prendê-lo, voltam frustrados, pois,
após essas afirmações, um certo magnetismo toma conta de todos.
Estão unânimes com o discurso:
“Responderam os servidores: Nunca homem
algum falou assim como este homem.
João 7:46”
Após uma breve tentativa de defesa sem sucesso de
Nicodemos, os principais dos fariseus argumentam que nenhum deles havia crido,
tampouco poderia um profeta vir da Galiléia.
Após isso todos vão para sua casa.
A noite anterior ao segundo embate
Aquele era mais um round dos embates públicos de Jesus,
mais uma vez ele sobressai, mas como era de se esperar, após diversas
tentativas no capítulo 7, os fariseus não iriam se conformar em ter de admitir
a messianidade de Jesus, ou mesmo que parte da multidão reconhecesse.
Os versículos 30 e 44 mencionam que por duas vezes durante
a festa intentaram prender Jesus, não iriam desistir agora.
A trama dos fariseus
Os fariseus sabiam que Jesus provavelmente apareceria no
dia seguinte no templo, uma vez que o dia seguinte a festa, era considerado
sábado. Logo, seria uma ocasião propícia para vê-lo ensinando mais uma vez em
público.
Ao fazer as afirmações que fez dentro do templo, Jesus de
certa forma causou uma reação de provocação por parte dos fariseus, a reação
deles foi bolar um plano de ação em que Jesus não teria alternativa.
A proposta era fazer uma pergunta impossível de responder, pois,
tomando qualquer lado, Jesus seria desmoralizado.
É pensando nisso que durante a noite, apanham uma mulher
num ato de adultério, prendem-na, planejando desmoralizá-lo em público.
Jesus está ciente que não vai ser poupado pelos fariseus
naquele momento, Jesus sabe que queriam prendê-lo, mas ao mesmo tempo está
ciente que se for preso, a sua popularidade vai aumentar consideravelmente.
Jesus naquele dia entrou no templo, sabendo que a qualquer
momento seus opositores apareceriam, com alguma arapuca e tentativa de
desmoralizá-lo.
Não obstante a tudo, Jesus faz o que deseja:
“E pela manhã cedo tornou para o templo, e
todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava.
João 8:2”
Jesus confirma sua posição de mestre ao se assentar para
ensinar, as multidões talvez ainda movidas pela palavra do dia anterior, foram
até lá para ouvi-lo.
Quando a multidão está ouvindo Jesus, ele é finalmente
interrompido com os principais dos fariseus que lhe trazem a mulher apanhada em
adultério:
“E os escribas e fariseus trouxeram-lhe
uma mulher apanhada em adultério;
E, pondo-a
no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato,
adulterando.
E na lei
nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
João 8:3-5”
Façamos algumas considerações sobre a lei do
adultério:
Primeiramente, não havendo flagrante, a lei já era muito
dura com as mulheres, Números 5 fala sobre a lei dos ciúmes.
Havendo suspeita por parte do marido, a mulher era levada
diante do sacerdote, uma oferta de farinha era posta em suas mãos, ao mesmo
tempo o sacerdote a levava diante do Senhor, separava uma água sagrada, tomava
parte do pó do tabernáculo e mandava a mulher beber.
Se ela de fato tivesse cometido o adultério, as
consequências viriam em seguida:
“E, havendo-lhe dado a beber aquela água, será que, se
ela se tiver contaminado, e contra seu marido tiver transgredido, a água
amaldiçoante entrará nela para amargura, e o seu ventre se inchará, e consumirá
a sua coxa; e aquela mulher será por maldição no meio do seu povo.
Números 5:27”
A situação presente, trata-se de um ato flagrante de
adultério, havendo a lei discorrido sobre este pecado algumas vezes:
“Não adulterarás (Êxodo 20.14)”
A sanção estava em Levítico:
“Também o homem que adulterar com a mulher
de outro, havendo adulterado com a mulher do seu próximo, certamente morrerá o
adúltero e a adúltera.
Levítico 20:10”
Vamos considerar alguns pontos:
Os
fariseus queriam encurralar Jesus pela lei, mas eles próprios haviam cometido
alguns deslizes:
1º - Como encontraram uma mulher em adultério? Em que ambiente isso se deu? No
mínimo suspeito.
2º - No dia anterior havia amaldiçoado o povo, o que também
era uma transgressão.
3º - Onde estava o homem que cometeu o ato com ela? Como
poderiam ter sido clementes com ele e tão severos com ela?
4º - Ao proceder deste modo eles estão mostrando que sua
preocupação não é a lei, mas sim a desonra de Jesus.
Kenneth Bailey observa que Herodes havia construído neste
templo uma grande área com diversas passagens, chamada de claustro. Neste
local, uma espécie de cobertura, nos dias de festa, uma grande quantidade de
soldados se concentrava a fim de evitar motins, revoltas e afins.
Todos os atos realizados naquele dia estavam sob constante
olhar da guarda romana.
Então consideremos a cena:
· A
multidão ainda em dúvida
· Fariseus
armando uma emboscada para Jesus
· Soldados
atentos a possibilidade de um apedrejamento
· A
mulher no meio sendo usada apenas como um objeto para desonra de Jesus.
Ao pedir uma resposta a Jesus eles pensam haver apenas duas
vias possíveis:
“Tu, pois, que dizes?
João 8:5”
A primeira é que Jesus ordenasse – “Sigamos a
lei, vamos apedrejá-la”
Ao fazê-lo, automaticamente, Jesus seria preso. Uma vez que
o império não liberou o apedrejamento, os judeus poderiam legislar por questões
religiosas, mas não civis como era o caso, especialmente no que diz respeito a
morte.
A segunda seria o caminho da relativação
baseada no contexto daquele tempo.
Jesus poderia dizer que o certo era cumprir a lei, mas dado
o contexto, o risco, era impossível levar adiante essa fala. De modo que ele
faria assim a opressão romana pesar mais que a lei, causando desmoralização
geral contra ele.
Na prática estão pressionando Jesus a tomar uma posição que
demonstre seu conceito de justiça, como ele pensaria a este respeito?
As atitudes de Jesus:
Jesus até aqui está passivo, olhando, esperando o
desenrolar das cenas, é então que uma atitude é exigida dele.
“Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o
dedo na terra.
João 8:6”
Percebamos que o embate se dá em torno do que a lei diz, ou
seja, se ele mata, segue a lei judaica mas fere a romana, se absorve, fere a
lei judaica e honra a romana.
Lei ou Roma? Qual seria a escolha?
Sabendo que o dia posterior a festa era um sábado, Jesus
tem seu primeiro ato:
1º - Escrever na areia – Jesus conhece a lei.
Se ele escreve em papel, lavra em pedras, se ele registra
suas palavras com penas, certamente estaria violando o sábado.
Mas veja, Jesus faz questão de escrever num ambiente de
poeira, logo as suas palavras seriam levadas pelo vento, o que ele está
mostrando por este ato é que se o assunto que desejam discutir e encurralar é a
lei, ele entende perfeitamente deste assunto.
Esta primeira atitude de Jesus gera uma profunda
curiosidade.
O que Jesus estaria escrevendo no chão?
2º - Jesus lhes denuncia sem palavras ao
escrever
Todo judeu que observava a lei, sabia que o toque
contaminava.
Seja o toque em leprosos, seja o toque em mulheres no
período de separação, ou tantos outros atos, tudo isso tornaria o judeu
cerimonialmente impuro.
Em dias de festa, como eram esses de Sucote, a cidade
estava lotada, as pessoas se esbarravam umas nas outras e naturalmente se
tornavam cerimonialmente impuras.
Era necessário portanto uma purificação ritual para entrar
no templo.
Essa purificação se dava por meio de um ato chamado Miqveh,
que é uma espécie de banho.
Nos dias de Jesus, era necessário realizar o Miqveh para
adentrar o templo, a fim, de adorar a Deus cerimonialmente limpo.
A cultura judaica é repleta de questões de higiene, uma vez
que estavam em uma região desértica, era necessário limpar-se quando se chegava
também em uma casa, um casamento, não seria diferente no templo.
As pessoas desciam as escadas, lavavam o corpo e
especialmente os pés e entravam no templo.
Considerando a necessidade de purificação, mais uma
violação foi feita pelos acusadores. Eles se apressaram tanto para acusar, que
esqueceram de se purificar.
Levando em seus pés areia para dentro do templo.
Jesus observa isso, sabe que estão totalmente errados ao
fazê-lo, então ao escrever no chão, a primeira mensagem é de conhecimento.
A segunda é uma denúncia, sem palavras Jesus mostra:
“Vocês são tão apressados para acusar, que esqueceram de
limpar os pés, veja a areia que está aqui dentro do templo”.
Os acusadores são sempre apressados para fazer isso, mas
eles esquecem de limpar os próprios pés.
“— Por que você vê o cisco no olho do seu
irmão, mas não repara na trave que está no seu próprio?
Ou como
você dirá a seu irmão: "Deixe que eu tire o cisco do seu olho",
quando você tem uma trave no seu próprio?
Hipócrita!
Tire primeiro a trave do seu olho e então você verá claramente para tirar o
cisco do olho do seu irmão.
Mateus 7:3-5”
Infelizmente esses acusadores ainda estão conosco.
Mas Jesus sabe de onde vem a areia dos pés de cada um
deles.
3º - Jesus sabe de onde vem a areia dos nossos
pés.
Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus faz questão de passar
por todos.
Pedro pisou no terreno da negação.
Judas o terreno da traição.
João está tranquilo na mesa por ser amado de Jesus.
Ainda assim Jesus lava todos os pés, sabe de onde vem a areia de todos eles.
Todos os terrenos que andamos nos últimos dias estão sob o
olhar atento de Jesus.
4º - Jesus sabendo de onde vem a areia dos pés
de cada um, lhes chamou para um confronto individual.
Os acusadores sempre agem em multidões, mas Jesus não trata
multidões, Jesus trata de seres individuais.
Nós como igreja temos o hábito de aparentemente falarmos
por muitos, quando na verdade a questão é nossa.
Falas do tipo: Estão dizendo, estão falando, estão
declarando, quando na verdade Jesus não nos trata na coletividade, ele nos
destaca.
“E, como insistissem, perguntando-lhe,
endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o
primeiro que atire pedra contra ela.
João 8:7”
Toda a situação estava contra Jesus, mas ele inverte a
questão, quando pede que algum deles inicie a execução.
Sabendo os terrenos por onde andaram, como poderiam pegar
em pedras para matar a mulher?
· A
multidão não tem rosto
· A
multidão não tem personalidade
· Logo a
multidão não tem culpa
“Quando porém, Jesus diz: “Quem dentre vocês
estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”, ele põe nome e
rosto em cada pessoa da multidão.”
Kenneth Bailey
5º - Jesus inverte o jogo, na medida em que
força alguém a começar
A pergunta – Lei ou Roma? Foi invertida aos acusadores.
“Quem estiver sem pecado seja o primeiro a lançar”
Ao fazê-lo Jesus está de certa forma desafiando que alguém
inicie o ato, porém se alguém num ato hipócrita iniciasse o apedrejamento, a
pergunta dos soldados que estavam a volta seria:
“Quem começou tudo isso?”
O que se diz sem pecado seria o primeiro preso.
No que diz respeito a fé, Jesus também faz um confronto,
que é o de mostrar quem deles teria coragem de mentir, dizendo não possuir
pecados; ela seria envergonhada por infringir a lei que dizia que todos
pecaram.
Jesus inverte a questão: Se alguém apedrejasse seria preso
com ele, se alguém apedrejasse seria acusado de ser um hipócrita.
Ninguém poderia se habilitar para isso.
6º - Jesus mostra neste sentido sua nobreza e
modo de operar justiça:
“E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.
Quando
ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais
velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.
João 8:8,9”
Jesus volta a se abaixar, provavelmente para não humilhar a
todos com seus olhares.
Os mais velhos são procurados como referência neste ato,
logo, eles deixam as pedras, vão indo embora por possuir uma carga maior de
pecado e bagagens, nesta ordem todos se vão.
Eles queriam humilhar Jesus, mas Jesus não os humilha.
Jesus é nobre.
7º - Jesus tira a ida da mulher e leva sobre
ele (Alusão a cruz)
“E, endireitando-se Jesus, e não vendo
ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus
acusadores? Ninguém te condenou?
João 8:10”
A ira dos fariseus é transferida para Jesus, é a ele que
vão procurar, ela está livre, ela não será apedrejada mais.
Essa é a obra redentora, a obra que aplaca a ira, que traz
sobre si o peso, que substitui.
Jesus sabe que a mulher pecou, mas isso não muda sua
disposição de auto sacrifício.
8º A história aparentemente sem fim, nos faz
pensar no que fazer com o perdão recebido:
“E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe
Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.
João 8:11”
A justiça de Jesus é cheia de graça, mas
uma graça que nos santifica.
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