terça-feira, 6 de março de 2018

O inimigo nos afasta da oração incentivando a informalidade

A melhor coisa a fazer, se possível, é afastar completamente o paciente em questão da intenção de rezar. Se o paciente é um adulto, recém-convertido para o lado do Inimigo, como é o caso do nosso homem, conseguimos tal feito quando o encorajamos sempre a lembrar-se, ou a pensar que se lembra, do quanto suas preces na infância eram automáticas. Em contrapartida, você talvez possa persuadi-lo a almejar algo totalmente espontâneo, introspectivo, informal, livre de regras; e isso na verdade significará, para um iniciante, o esforço para produzir em si mesmo um estado de espírito vagamente devocional no qual a verdadeira concentração de vontade e inteligência não desempenham nenhum papel.

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

segunda-feira, 5 de março de 2018

O diabo luta para manter o senso de justiça própria nos crentes.

Tudo o que você terá de fazer é nunca deixá-lo fazer a si mesmo a seguinte pergunta: "Se eu, sendo o que sou, me considero em algum nível um Cristão, por que os defeitos das pessoas sentadas no banco ao lado seriam prova de que a religião delas é pura convenção e hipocrisia?" Talvez você fique se perguntando se é possível até mesmo uma mente humana não conseguir pensar em algo tão óbvio. Mas é, Vermebile, é! Manobre o seu paciente da maneira certa e esse pensamento jamais lhe  ocorrerá. Ele está muito longe ainda de ter passado tempo suficiente com o Inimigo para ter verdadeira humildade. O que ele diz, mesmo de joelhos, sobre seus pecados não passa de conversa fiada. No fundo, ele ainda acredita que tem bastante crédito junto ao Inimigo por ter-se convertido, e pensa que demonstra grande humildade e condescendência ao ir à igreja com aqueles conhecidos vulgares e presunçosos. Mantenha-o nesse estado de espírito o máximo que puder.

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

As investidas do inimigo contra novos-convertidos

Portanto, esforce-se para alcançar a decepção ou o anticlímax que certamente o acometerá durante suas primeiras semanas na igreja. O Inimigo permite que essa decepção aconteça no limiar de todo empreendimento humano. Ela acontece quando o menino que ficava encantado no maternal com as histórias da Odisséia começa a estudar seriamente a língua grega. Acontece quando os recém-casados dão início à missão de aprender a viver juntos. Em todas as instâncias da vida, essa decepção marca a transição da aspiração sonhadora para a ação laboriosa. O Inimigo prefere assumir esse risco porque Ele tem essa fantasia absurda de transformar todos esses repugnantes vermezinhos humanos naquilo que chama de Seus servos e adoradores "livres" - "filhos" é a palavra que utiliza, com seu gosto particular pela degradação de todo o mundo espiritual através das ligações anormais com os animais bípedes. Ao desejar sua liberdade, Ele não aceita conduzi-los, por meio de suas afeições e atos, até alguma das metas que Ele mesmo estabeleceu para eles: Ele deixa que eles "tentem sozinhos, por seus próprios méritos". E é aí que está a nossa chance. Mas lembre-se de que aí também jaz o perigo. Se conseguirem atravessar essa aridez inicial com sucesso, eles se tornarão bem menos dependentes das emoções e, assim, bem mais difíceis de se tentar.

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

As distrações na igreja são um agente do inimigo

O seu paciente, graças ao Nosso Pai nos Infernos, é um tolo. Se alguma dessas pessoas cantar desafinado, ou usar botas com solados barulhentos, ou tiver queixo duplo, ou roupas deselegantes, o paciente facilmente acreditará que a religião deles deve ser de algum modo ridícula. Perceba que, em seu estágio atual, ele considera "espiritual" a idéia que faz dos "Cristãos", mas essa idéia é, na verdade, em grande parte, pictórica. Sua imaginação está cheia de togas e sandálias e armaduras e pernas nuas, e o mero fato de as pessoas na igreja usarem roupas modernas é um verdadeiro obstáculo para ele - embora, claro, isso seja inconsciente. Nunca deixe que esse obstáculo se manifeste completamente, nunca o deixe perguntar-se como ele esperava, afinal, que elas se vestissem. Por enquanto, deixe tudo confuso em sua mente, e você terá toda a eternidade para desfrutar do poder de proporcionar-lhe a peculiar clareza que o Inferno traz.

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

A igreja instituição é muitas vezes aliada do inimigo

Hoje em dia, um de nossos aliados é a própria Igreja. Mas não me compreenda mal: eu não estou falando da Igreja que se propaga através do tempo e do espaço, ancorada na Eternidade, terrível como um exército agitando seus estandartes. Isso, devo confessar, é um espetáculo que incomoda até nossos mais audazes tentadores. Felizmente, é algo praticamente invisível aos humanos. Tudo o que o seu paciente vê é o prédio gótico ainda pela metade, em construção, um simulacro.

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

A ciência trabalha a favor do cristianismo

 Acima de tudo, não tente usar a ciência (digo, as ciências verdadeiras) como defesa contra o Cristianismo, pois as ciências certamente o encorajarão a pensar sobre as realidades que ele não pode ver ou tocar. Já houve casos lamentáveis entre os cientistas modernos. Se ele precisa mesmo se interessar por alguma ciência, deixe-o lidar 4 1 Cartas de um diabo a seu aprendiz 1 com economia e sociologia; não o deixe afastar-se da preciosa "vida real". No entanto, o melhor a fazer é evitar que ele estude qualquer ciência, e dar-lhe a impressão generalizada de que ele sabe tudo, e de que o que quer que ele aprenda com simples conversas ou com a leitura é "resultado das pesquisas modernas".

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz

Ao diabo "os jargões" são melhores do que a argumentação

O jargão, e não a argumentação, é o seu melhor aliado para afastá-lo da Igreja. Não desperdice seu tempo tentando fazê-lo pensar que o materialismo é verdadeiro. Faça-o pensar que é algo sólido, ou óbvio, ou audaz - enfim, que é a filosofia do futuro. É com esse tipo de coisa que ele se importa.
O problema da argumentação é que ela leva a batalha para o campo do Inimigo. Ele também pode argumentar. Mas, graças ao tipo de propaganda realmente prática que sugiro, durante séculos foi possível provar que Ele é inferior a Nosso Pai nas Profundezas. Pelo próprio ato de argumentar, você desperta a razão de nosso paciente; uma vez desperta, como saberemos o que daí poderá resultar? Mesmo se uma cadeia de pensamentos puder ser distorcida a nosso favor, você logo descobrirá que fortaleceu no seu paciente o hábito fatal de atentar para questões universais e ignorar o fluxo de 2 1 Cartas de um diabo a seu aprendiz 1 experiências sensoriais imediatas. O seu dever é fazer com que ele fixe a atenção nesse fluxo. Ensine-o a chamá-lo de "vida real", e não o deixe indagar-se sobre o que você quer dizer com "real".

C. S. Lewis - Cartas de um diabo ao seu aprendiz