Panorama
de Miquéias – Quem é como o Senhor?
Sermão
entregue a Ad Brás Valo-Velho em 16/06/2021
“Ai de mim! Porque estou como quando são
colhidas as frutas do verão, como os rabiscos da vindima: não há cacho de uvas
para chupar, nem figos temporãos que a minha alma deseja.
Miquéias
7:1”
Os profetas são nossos contemporâneos, são portadores de
mensagens totalmente compatíveis com nosso tempo, ainda que carregados de
alegorias diversas, uma análise mais detalhada mostrará que os dilemas dos
profetas também são os nossos, as suas tristezas, inquietações, tornam sua
mensagem relevante neste tempo.
· Miquéias
era um habitante de Moresete-Gate – Uma aldeia ao sul de Jerusalém, logo era um
profeta interiorano.
· Era
contemporâneo de Isaías que tinha acessos diferenciados, por ser parte da
aristocracia em seu tempo. Miqueias por sua vez era homem comum, um civil de
seu tempo, tendo os conflitos do dia a dia sentidos em sua pele.
· Também
era contemporâneo de Amós e Oséias, formando o quarteto de profetas pré-exílio.
· Profetizou
no período de 735 a 715 A.C – Ou seja, durante vinte anos.
· Parte
da compreensão da mensagem profética se dá mediante a identificação dos reis de
seu tempo, logo o texto apresenta no primeiro versículo quem eram os reis de
seus dias, a saber:
Jotão,
Acaz e Ezequias.
Cada um destes revela parte das condições espirituais e
econômicas de seus dias.
· Jotão
– O rei omisso
· Acaz –
O Rei idólatra
· Ezequias
– O sucessor reformador
-Miqueias direciona sua mensagem nos primeiros capítulos
aos dois reinos de Israel, mas posteriormente tem o foco em Judá, o reino do
sul
Como boa parte dos profetas, Miquéias faz uso de uma
linguagem jurídica, em que o Senhor, apresenta suas acusações, tal qual um
promotor o faz.
Ao mesmo tempo o Senhor também se constitui juiz.
O livro de Miquéias se constitui uma denúncia sobre
questões sociais, religiosas, morais e mescla tudo isso aos sentimentos
pessoais do profeta, bem como demonstra o amor do Deus que acusa, julga,
condena, mas absorve. A mensagem de Miquéias é atual porque vivemos dias
semelhantes aos dele.
1º - Deus como promotor
Apresentação de Deus – V. 2
O aspecto de grandeza de Deus é novamente apresentado, sua
vinda em grandeza, uma vez que não é pacífica, se constitui um juízo por si só
– V.3-4
Deus promete destruir as duas capitais, por serem
verdadeiras centrais de pecados V. 5-6
2º - O profeta frequentemente carregava consigo
o fato de estar dividido, entre o amor a Deus e o amor ao seu povo.
O profeta se descobria um mediador, entre o Deus sedento
por exercer o juízo e o seu povo que é vítima e merecedor deste.
Ainda que o profeta seja alguém que zela profundamente pelo
nome de Deus, a santidade de Deus e a veracidade da mensagem, ele sofre por
ela.
Por isso lamentarei, e gemerei, andarei despojado e nu;
farei lamentação como de chacais, e pranto como de avestruzes.
Porque a
sua chaga é incurável, porque chegou até Judá; estendeu-se até à porta do meu
povo, até Jerusalém.
Miquéias 1:8,9
Particularmente tenho dificuldades em conceber quem sente
prazer em anunciar juízos, quem se orgulha de falar das coisas ruins que
contempla, pois, no mínimo não há discernimento da mensagem, ou amor aos
destinatários da mensagem. Os profetas bíblicos são pessoas que carregam sobre
si o peso do coração de Deus.
“O profeta é alguém quebrantado, mas
quebrantado não porque é humilhado, quebrantado porque carrega sobre si o peso,
o peso do coração de Deus. O profeta é o homem abatido, angustiado, é uma
pessoa que esqueceu-se de seus próprios pesos e recebeu sobre seus ombros o
coração de Deus. O sentimento de Deus é derramado sobre o profeta, ele tem seus
próprios sentimentos e também os do povo.
Abraham Joshua
Heschel”
O profeta carrega
em seu coração seu nacionalismo, mas também o peso do coração de Deus, o
profeta é alguém que muitas vezes não pode considerar demasiadamente nenhum dos
lados sem ser afetado.
Os verdadeiros
profetas são aqueles que se lamentam por seu povo, que oram por eles, que
movidos de compaixão pelo povo anunciam a mensagem, mas ao mesmo tempo se
lamentam em ver que seus ouvintes são afetados por ela.
3º - O jogo de
palavras de Miquéias com as cidades do entorno de Judá:
Os profetas eram
homens dotados de inspirações divinas e compunham verdadeiras peças de
literatura muito refinada, de modo que Miquéias faz um jogo de palavras muito
profundo ao falar sobre a situação de Judá.
Os Assírios ameaçavam e sitiavam Judá com certa frequência, num dado
momento, Judá tem 46 cidades tomadas por eles, é então que Miquéias ciente do significado
de cada cidade apresenta o juízo em forma de poesia.
Ler em bíblias de versões recentes os versículos 1.10-16
4º - As razões do
juízo divino
·
Males planejados a noite e praticados durante o dia – 2.1
· Tomada de
propriedades dos pobres – 2.2
· Este ato era feito
por meio de violência – 2.2b
· Orgulho – 2.3
O primeiro pecado se resumia em cobiça por parte dos mais ricos,
configurando uma terrível desigualdade social.
· Havia uma espécie
de coação quanto às mensagens a serem pregadas, de modo que verdadeiros
profetas se passavam por falsos e vice-e-versa. – 2.6
· Os profetas se
asseguravam numa certa escolha divina, de modo que um quietismo demasiado os
tomava. – 2.7
· Afetavam as
mulheres removendo-as de suas casas 2.9
· Crianças pobres
eram expostas a violência muito cedo – 2.9b
· Os falsos profetas
eram valorizados – 3.11
(Os valorizados são os que iludem,
enganam e ensinam a tirar coisas de Deus).
· Os políticos comiam
as carnes do povo para enriquecer ainda mais – 3.1-3
·
O poder judiciário também estava vendido – 3.11a
·
O resumo da corrupção se dá no capítulo 7
Com as mãos prontas para fazer o mal, o governante exige
presentes, o juiz aceita suborno, os poderosos impõem o que querem; todos
tramam em conjunto.
Miquéias 7:3
· Por fim a dissolução familiar:
Pois o filho despreza o pai, a
filha se rebela contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são
os seus próprios familiares.
Miquéias 7:6
O profeta não tinha para onde olhar, não tinha referências:
· As pessoas eram mentirosas – 7.5
·
Não se podia acreditar mais em família
7.6
·
Não se podia ter uma propriedade em paz
·
Os ricos humilhavam os pobres
·
Estes por sua vez recorriam a políticos,
mas estes eram parte do esquema
·
Os juízes também se vendiam
· Os profetas que seriam referência de integridade também estavam dissolutos.
“Neste ninho de cobras que se tornou a sociedade atual, tudo o que
precisamos é de um princípio, o mais belo, o mais nobre, enquanto dos olharem
para o seu princípio, você foge com o dinheiro”.
Lilian Herman
Este pensamento expressa a lógica dos dias de Miquéias.
Ao ver todo o cenário o profeta declara um “ai” contra si mesmo, um
sentimento de profunda inadequação, solidão, falta de referências e assim
inaugura o capítulo 7.
Lições práticas
1. O preço do saber a
verdade é ter de conviver com as inquietações de descobri-la.
Miquéias se sentia totalmente alheio ao seu tempo, se sentia alguém
esquecido, alguém totalmente a parte de todo o seu tempo.
2.
Em tempos de
dissolução, tal qual era o de Miquéias, nós devemos agir com convicção das
verdades irredutíveis da palavra. Não importando se todos os demais estão em
outra direção:
Mas eu estou cheio do poder do Espírito
do Senhor, e de juízo e de força, para anunciar a Jacó a sua transgressão e a
Israel o seu pecado.
Miquéias 3:8
Devemos cuidar de
não sermos pragmáticos demais. A verdade não é cômoda, é inegociável.
Malcolm Muggeridge
“Somente peixes mortos nadam junto à correnteza” Citado por John Stott em
“Discípulo radical”
3. Em dias de dissolução devemos questionar nossa
prática espiritual:
Com que me apresentarei ao Senhor, e me inclinarei
diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei diante dele com holocaustos, com
bezerros de um ano?
Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros,
ou de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha
transgressão, o fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma?
Miquéias 6:6,7
Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o
Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes
humildemente com o teu Deus?
Miquéias 6:8
Em dias de dissolução a resposta que Deus exige
de nós não é mais atos religiosos, mas um caráter diferente da sociedade que
nos rodeia.
4.
Em dias de dissolução
completa, devemos repousar ao saber que podemos esperar em Deus.
Eu, porém, olharei para o Senhor; esperarei no Deus da
minha salvação; o meu Deus me ouvirá.
Miquéias 7:7
A espera por
alguém sempre é parada, inerte, cansativa. Esperar em Deus é dar passos maiores
do que todos os nossos esforços alcançam, esperar em Deus é descansar, esperar
em Deus é encontrar paz mesmo em meio ao caos, esta foi a decisão de Miquéias,
esperar naquele que não lhe decepcionaria, mesmo carecendo de referências
terrenas.
5. Ao compreender os
planos de Deus Miquéias fez uma pergunta sem resposta, mas que sempre valerá a
repetição.
Quem é Deus semelhante a ti, que perdoa a iniqüidade, e
que passa por cima da rebelião do restante da sua herança? Ele não retém a sua
ira para sempre, porque tem prazer na sua benignidade
Miquéias 7:18
Quando
Deus deseja exercer juízo contra uma nação alheia ao seu povo, mas também
deseja julgar o seu povo, ele o faz do seguinte modo:
·
Usa a
nação vizinha para castigar o seu povo
·
Seu
povo se humilha ao passo que o opressor se ensoberbece
·
O povo
opressor é julgado por Deus
·
Deus
perdoa o seu povo e lhe restaura
Ao
compreender isso Miquéias exulta em seu coração, pois, enxergou além do juízo,
compreendeu o perdão que viria do mesmo Deus que julga com justiça.
O Nome
Miquéias significa: Quem é como o Senhor?
O nome do profeta é usado numa
espécie de louvor seguido de afirmação de fé: Quem é Deus semelhante a este? – 7.18
Essa
pergunta não tem resposta, Deus é incomparável, as razões que tornam este Deus
diferenciado se descrevem nas palavras finais de Miquéias.
Deus
perdoa, restaura, esquece, Deus ama o seu povo.
Uma
curiosidade a respeito de Miquéias é que este foi o profeta que descreveu onde
o Messias iria nascer. Mq. 5.2
O livro de Miquéias é uma mensagem de esperança
para o Brasil hoje.