quarta-feira, 26 de julho de 2017

Citações - C.S. Lewis A anatomia de uma dor.

A leitura desse livro foi marcante, pois, me ajudou a entender de forma mais clara a dor do luto, as descrições de Lewis sobre os sentimentos de quem fica são assustadoras.
Somente quem perdeu alguém muito querido e de forma inesperada poderá se compadecer de Lewis nesta obra.

Lewis casou-se com uma moça americana, acometida de uma grave doença, por motivos exclusivamente humanitários inicialmente, para salvá-la da deportação.
Porém ambos se amaram profundamente e no ápice do amor Lewis a perdeu.

Lewis assemelha-se a alguém que no início de um grande banquete, ao começar a degustar um petisco se vê privado de todo o resto e com imensa frustração sai da festa.


"Não que eu esteja (suponho) correndo o risco de deixar
de acreditar em Deus. O perigo real é o de vir a acreditar em
coisas tão horríveis sobre Ele. A conclusão a que tenho horror
de chegar não é “então, apesar de tudo, não existe Deus
nenhum”, mas “então, é assim que Deus é realmente. Não se
iluda.”.

"Talvez aqueles
que se viram privados de alguém devessem ser isolados em
lugares especiais, como acontece com os leprosos."

"Depois da morte de um amigo, anos atrás, durante algum
tempo tive a mais vívida sensação de certeza da continuidade
de sua vida; até mesmo do enaltecimento de sua vida. Tenho
rogado que me seja dada até mesmo uma centésima parte da
mesma certeza a respeito de H. Não há resposta alguma. Só
a porta fechada, a cortina de ferro, o vácuo, o nada. “Pois
todo o que pede ...”4 — não recebe. Fui um louco em pedir.
Por ora, mesmo que essa segurança sobreviesse, eu não lhe
deveria dar crédito, antes deveria julgá-la uma auto-hipnose
motivada por minhas próprias orações."

"Para alguns, sou pior do que um embaraço. Sou uma caveira.
Toda vez que deparo com um casal feliz, sou capaz de
notá-los pensando: “Um de nós algum dia vai ser como ele
é agora”."

"E difícil ter paciência com pessoas que dizem: “A morte
nao existe”, ou “A morte não importa”. A morte existe e, seja
lá o que for, ela importa. Tudo o que acontece traz conseqüências,
e tanto a morte quanto as conseqüências são irrevogáveis
e irreversíveis."


"Não tenho nenhuma boa fotografia dela. Não posso sequer
lhe ver o rosto claramente em minha imaginação; no
entanto o rosto comum de um estranho em meio a uma
multidão de pessoas nesta manhã pode aparecer para mim
numa perfeição vívida no momento em que fecho os olhos à
noite. Não resta dúvida: a explicação é por demais simples.
Vimos o rosto dos que mais conhecemos de modo tão variado,
de tantos ângulos, sob tantas luzes, com expressões tão
diversas — acordando, dormindo, rindo, chorando, comendo,
conversando, pensando —, que todas as impressões
preenchem nossa memória ao mesmo tempo e se anulam
num simples borrão; mas sua voz ainda é vívida. A voz lembrada
— que é capaz de transformar-me a qualquer momento
num menino chorão."

"O destino (ou seja lá o que for) agrada-se em gerar
uma grande capacidade e, então, frustrá-la. Beethoven
ficou surdo. Para nossos padrões, uma piada de mau gosto; a
travessura de um idiota mal-intencionado."

"A maioria das
pessoas que encontro, digamos, no trabalho, decerto pensaria
que ela não é. Embora, naturalmente, elas não procurassem
me convencer disso. Não numa hora destas. O que
penso, na verdade? Sempre fui capaz de orar pelos mortos,2
e ainda o faço, com certa confiança; mas, quando tento orar
por H., paraliso. A perplexidade e o pasmo sobrevêm. Tenho
uma sensação horripilante de irrealidade, de falar no
vazio acerca de uma não-entidade."

"Você nunca
tem consciência do quanto de fato acredita em alguma coisa
enquanto a verdade ou a falsidade dessa coisa não se torna
uma questão de vida ou morte para você. E fácil dizer que
você acredita que uma corda seja forte e segura, enquanto a
está usando apenas para amarrar uma caixa; mas imagine
que deva dependurar-se nessa corda sobre um precipício.
Será que não iria primeiro descobrir o quanto na verdade
confia nela?"

"Apenas um perigo verdadeiro
põe à prova a realidade de uma crença."

"Imagine que a vida terrena que ela e eu partilhamos
por alguns poucos anos sejam apenas, na verdade, a base ou
o prelúdio para duas coisas inimagináveis, supercósmicas,
eternas, ou mesmo a aparência terrena delas. Essas coisas poderiam
ser retratadas como esferas ou globos. O lugar em
que o plano da Natureza os atravessa— ou seja, na vida terrena
— elas se parecem com dois círculos (círculos são subdivisões
de esferas). Dois círculos que se tocaram; mas estes, sobretudo
no ponto em que se tocaram, são a própria coisa
pela qual lamento, de que sou saudoso, de que sinto fome.
Você me diz: “Ela continua.”; mas minha alma e meu corpo
gritam: “Volte! Volte! Volte a ser um círculo, tocando o meu
círculo no plano da Natureza!”. Eu, no entanto, sei que isso é
impossível. Sei que o que eu desejo é precisamente o que
jamais poderei obter. A antiga vida, as piadas, os drinques, as
discussões, fazer amor, os pequenos lugares-comuns, de partir
o coração. De qualquer ponto de vista, dizer “H. está morta”
equivale a dizer “Tudo aquilo acabou”. Faz parte do
passado. E o passado é o passado; isso é o que significa o tempo;
ele em si é mais um nome para a morte, e o próprio Céu
é um estado em que “as primeiras coisas já passaram”."

"Fale-me acerca da verdade da religião e ouvirei de bom
grado. Fale-me acerca do dever da religião e ouvirei resignadamente;
mas não me venha falar sobre as formas de consolo
que a religião dá, caso contrário desconfiarei que você não
sabe do que está falando."

"O que abala toda oração e toda esperança é a lembrança
de todas as orações que H. e eu oferecíamos, e todas as falsas
esperanças que alimentávamos. Não eram esperanças nutridas
apenas por um pensamento desejoso de coisas boas, por
esperanças estimuladas, até mesmo impingidas a nós, por falsos
diagnósticos, por exames de raios X, por fases estranhas
de alívio, por uma recuperação temporária que poderia muito
bem ser classificada como milagre. Passo a passo “fomos
conduzidos pela senda do jardim”. Com o passar do tempo,
quando Ele parecia muito misericordioso, estava na verdade
preparando a tortura seguinte."

"Uma só carne, ou, se preferir, um só barco. O motor a
estibordo foi embora. Eu, o motor a bombordo, de alguma
forma devo seguir roncando até ancorarmos. Ou, de preferência,
até o fim da viagem. Como devo entender um ancoradouro?
Uma costa de sotavento, mais provavelmente, uma
noite escura, um vendaval ensurdecedor, ondas de rebentação
à frente — e quaisquer acenos vindos da terra provavelmente
feitos por salteadores de naufrágio. Tal foi o ancoradouro
de H. Bem como o de minha mãe. Digo o porto delas; não
sua chegada."

"Do ponto de vista racional, que novo
fato a morte de H. trouxe ao problema do universo? Que
bases me concedeu para duvidar de tudo aquilo em que acredito?
Eu já sabia que essas coisas, e coisas piores, aconteciam
diariamente. Eu teria dito que as havia levado em consideração.
Eu fora alertado — eu alertara a mim mesmo — quanto
a não contar com a felicidade terrena. Tínhamos, até mesmo,
a promessa de sofrimentos. Eles faziam parte do programa.
Até mesmo nos disseram: “‘Bem-aventurados os que
choram...’  e eu aceitava isso. Não há nada que eu não tivesse
considerado. E claro que é diferente quando as coisas
acontecem conosco, não com os outros, e na realidade, não
na imaginação. Sim, mas deveria, para um homem são, fazer
tanta diferença assim? Não, e não faria para um homem cuja
fé houvesse sido a fé verdadeira, e cuja preocupação com as
tristezas dos outros fosse preocupação real. O caso é muito
comum. Se meu castelo ruiu com uma tacada, é porque era
um castelo de cartas. A fé que “levou essas coisas em consideração”
não era fé, mas imaginação. Levá-las em conta não era
compaixão verdadeira. Se houvesse realmente me preocupado,
como achei que havia, com as tristezas do mundo, não
deveria estar tão assoberbado quando minha própria tristeza
chegou. Foi uma fé imaginária, que jogava com fichas inofensivas,
rotuladas de “Doença”, “Dor”, “Morte” e “Solidão”.
Achei que havia confiado na corda até que se tornou importante
saber se ela suportaria o meu peso. Agora que isso importa
percebo que não confiava nela."

"Toda aquela história acerca do Sádico Cósmico era menos a expressão
do pensamento que do ódio. Estava tirando dela o
único prazer que um homem em agonia pode obter: o prazer
de revidar. De fato, era simplesmente Billingsgate2 —
pura ofensa; “dizer a Deus o que eu pensava dele”. E, é claro,
como em toda linguagem ofensiva, “o que eu pensava” não
significava o que eu julgava ser verdade. Só o que eu pensasse
de fato haveria de ofendê-lo (e a seus adoradores) mais.
Nunca se diz esse tipo de coisa sem algum tipo de prazer.
“Lava a alma”. Você se sente melhor por um momento."

"E eu posso crer que Ele seja um veterinário quando penso
em meu próprio sofrimento. E mais difícil quando penso no
dela. O que é o luto, se comparado à dor física? Independentemente
do que os tolos digam, o corpo é capaz de padecer
vinte vezes mais do que a mente. Esta possui sempre algum
poder de evasão."

"O luto é como um bombardeiro
dando voltas e lançando suas bombas para atingir um raio
de ação; o sofrimento físico é como a barragem fixa numa
trincheira na Primeira Guerra Mundial, horas nela, sem uma
pausa em momento algum. O pensamento nunca é estático;
a dor muitas vezes é."

"Que tipo de apaixonado sou para pensar tanto nas minhas
aflições e tão pouco nas dela? Até mesmo o grito desesperado
“Volte!” é por minha causa. Nunca questionei
se sua volta, quer fosse possível, seria boa para ela. Quero-a
de volta como um elemento imprescindível na restauração
do meu passado. Será que eu poderia ter-lhe desejado algo
pior? Passar pela morte, voltar e, depois, em um momento
posterior, passar por toda a agonia novamente? Chamam a
Estêvão o primeiro mártir. Teria Lázaro recebido um tratamento
injusto?"

"gora começo a entender. Meu amor por H. tinha em
grande parte a mesma natureza de minha fé em Deus. Não
vou exagerar, no entanto. Se houve algo além da imaginação
na fé, ou algo exceto o egoísmo no amor, Deus sabe. Eu não.
Poderia ter havido um pouco mais; principalmente em meu
amor por EI. Nenhuma das duas coisas, porém, era a que eu
acreditava que fosse. Uma rodada perfeita de castelos de carta
em ambos os casos."

"Mas, ó Deus, tenha compaixão. Antes, mês após mês semana
após semana, você lhe torturou o corpo com o suplício
da roda, enquanto ela ainda o vestia. Isso não foi suficiente?
Coisa terrível c pensar que um Deus bom seja, nesse sentido,
quase menos formidável do que um Sádico Cósmico.
Quanto mais acreditamos que Deus fere apenas para curar,
menos nos é dado crer que haja alguma utilidade em suplicar
por ternura. Um homem cruel pode ser subornado —
pode cansar-se de seu esporte imoral — pode ter um acesso
temporário de bondade, como os alcoólatras têm acessos de
sobriedade; mas suponha que aquilo com que você se bate
seja um cirurgião cujas intenções são inteiramente boas.
Quanto mais gentil e consciente ele é, mais sem piedade prosseguirá
cortando. Se ele desistir diante de suas súplicas, se ele
se detiver antes que a operação chegue ao fim, toda a dor
até àquele ponto terá sido inútil; porém é de acreditar-se
que extremos semelhantes de tortura nos sejam necessários?
Bem, faça sua escolha. As torturas ocorrem. Se elas são desnecessárias,
então não há Deus nenhum, tampouco um Deus
mau. Se há um Deus bom, então essas torturas são necessárias.
Pois nenhum Ser que fosse bom, mesmo de maneira
comedida, provavelmente seria capaz de as infringir ou de as
permitir caso elas não fossem necessárias.
Seja o que for, não há como escapar."

"O que as pessoas querem dizer quando afirmam: “Não
tenho medo de Deus porque sei que Ele é bom.”? Será que
nunca foram ao dentista?
No entanto isso é insuportável. E então se balbucia: “Ah,
se me fosse ciado padecer, ou o pior, ou uma parte, em vez
dela.. mas não se pode aquilatar a seriedade dessa declaração,
pois não há o risco de se perder algo. Se de uma hora
para outra se tornasse uma possibilidade real, então, pela primeira
vez, descobriríamos com que seriedade a expressamos.
Se isso nos seria possível é incerto, mas o foi a Alguém, conforme
relatos, e acho que agora posso crer de novo, que Ele
fez de modo vicário tudo o que se pode fazer assim. Ele responde
diante de nossa hesitação: “Vocês não podem e não
ousam. Eu pude e ousei.”.

"Não é possível ver nada de maneira adequada
enquanto os olhos estiverem embaçados de lágrimas. Você
não pode, na maioria das situações, conseguir o que deseja se
o fizer desesperadamente: o resultado é que não conseguirá
aproveitá-lo ao máximo."

"Quando nada há em sua alma exceto
um grito de socorro talvez seja o exato momento em que Deus
nao o pode atender: você é como o homem que se afoga e
que não pode ser ajudado por tanto se debater. E possível
que seus gritos repetidos o deixem surdo à voz que você esperava
ouvir."

"Uma boa esposa traz muitos “eus” dentro de si. O que H.
não foi para mim? Ela foi minha filha e mãe, minha aluna e
mestra, minha súdita e soberana. Era uma perfeita combinação:
minha confidente, amiga, companheira de bordo. Minha
amada, mas, ao mesmo tempo, tudo o que nenhum amigo
(e olha que tenho bons amigos) jamais foi para mim. Talvez
até mais. Se nunca nos tivéssemos apaixonado, é bem provável
que, mesmo assim, estivéssemos sempre juntos e nos tornássemos
alvo de mexericos. Foi o que eu quis dizer quando
certa vez a elogiei por suas “virtudes masculinas”. Ela, no entanto,
em pouco tempo tratou de dar um basta a isso, perguntando-
me se eu gostaria de ser elogiado por minhas
virtudes femininas. Foi uma boa riposte/ querida. Mesmo
assim, nela havia um quê de Amazona, de Pentesiléia e
Camila. E você, tanto quanto eu, ficou contente que fosse
assim. Ficou satisfeita que eu tenha reconhecido isso"

"Às ocultas ou às claras, parece haver uma espada entre
os sexos até que um casamento genuíno os reconcilie. É nossa
arrogância que chama virtudes como a franqueza, a imparcialidade e o cavalheirismo de “masculinas”, quando as vemos igualmente numa mulher; é pura arrogância nossa
atribuir a sensibilidade, o tato, ou carinho de um homem ao
seu lado “feminino”. Igualmente absurdo é atribuir características
aos pobres e aos párias da humanidade, homens e
mulheres simples, para tornar plausíveis as implicações dessa
arrogância! O casamento tem o poder de curar essas coisas.
Juntos, os dois tornam-se de todo humanos. “A imagem de
Deus [...] homem e mulher os criou”.10 Assim, graças a um
paradoxo, esse carnaval em que se tornou a sexualidade levanos
além dos limites de diferenças entre os sexos."

"E, então, um ou outro morre. E pensamos nisso como um
amor que foi podado; como uma dança interrompida quando
começava a evoluir, ou como uma flor com seu botão
bruscamente arrancado — algo mutilado e, portanto, deformado.
Penso comigo mesmo: se, como não posso deixar
de suspeitar, os mortos também sentem os tormentos da separação
(entendidos por alguns como um dos seus sofrimentos
expiatórios), então para ambos os amantes, e para todos
os casais de apaixonados, sem exceção, a perda causada pela
morte é uma parte universal e integrante da experiência de
amar. Ela decorre do casamento de modo tão natural quanto
o casamento é conseqüência do namoro, ou como o outono
vem depois do verão. Não se trata de um truncamento do
processo, mas de uma de suas fases; não a interrupção da
dança, mas a execução do número seguinte. Somos “arrancados
 de dentro de nós mesmos” pela pessoa amada enquanto
ela está aqui. Então se inicia a cena trágica do espetáculo
em que só nos resta aprender a sermos arrancados de nós
mesmos, embora a presença concreta da pessoa amada nos
tenha sido arrancada. Aprender a amar exatamente a ela, e a
não voltara amar nosso passado, nem nossas lembranças, nem
nossa tristeza ou o alívio que temos da tristeza, tampouco nosso
próprio amor."

"Deus certamente não estava fazendo uma experiência
com minha fé nem com meu amor para provar sua qualidade.
Ele já os conhecia muito bem. Eu é que não. Nesse
julgamento, ele nos faz ocupar o banco dos réus, o banco das
testemunhas e o assento do juiz de uma só vez. Ele sempre
soube que meu templo era um castelo de cartas. A única
forma de fazer-me compreender o fato foi colocá-lo abaixo."


"Não queremos
de fato que o luto, em suas primeiras agonias, se prolongue:
ninguém poderia fazer isso. Queremos, porém, algo mais do
qual o luto é um sintoma freqüente, e então confundimos o
sintoma com a coisa em si. Escrevi na noite passada que a
consternação não é o truncamento do amor conjugal, mas
uma de suas fases regulares — a exemplo da lua-de-mel. O
que queremos é viver bem nosso casamento, e de maneira
fiel, passando também por essa fase. Se ele dói (e com certeza
doerá), aceitamos os padecimentos como uma parte necessária
dessa fase. Não queremos fugir a eles ao preço do abandono
nem do divórcio. Matar os mortos uma segunda vez.
Éramos uma só carne. Agora ela foi partida em dois; nao
queremos fingir que está ilesa e inteira. Ainda estaremos casados,
casados ainda no amor. Portanto ainda sentiremos dor;
mas de forma alguma estamos — se entendemos a nós mesmos
— buscando o sofrimento pelo bem dele mesmo. Quanto
menos sofrimento, melhor, enquanto o casamento for
preservado. E quanto mais alegria puder haver no casamento
entre o morto e o vivo, melhor."

"Parece que me lembro — embora nao possa citar uma no
momento — de toda a sorte de baladas e contos populares
em que os mortos nos dizem que nossa lamentação lhes causa
algum tipo de dano. Eles nos suplicam que paremos de nos
lamentar. Talvez haja muito mais profundidade nisso do que
eu pensava. Se assim for, a geração de nossos avós extraviouse
muito. Todo aquele ritual, às vezes de toda uma vida, de
tristeza — visitar túmulos, conservar os aniversários, deixar o
quarto vazio exatamente como “os que partiram” costumavam
mantê-lo, ou não fazer menção nenhuma aos mortos ou
a eles se referir num tom de voz especial, ou até mesmo (a
exemplo da Rainha Vitória) ter a toalha de mesa do morto
estendida para o jantar a cada noite — uma espécie de mumificaçao.
Tornava os mortos muito mais mortos."

"Nesta noite, todos os infernos do luto imaturo abriram-
se de novo; as palavras enlouquecidas, o amargo ressentimento,
o frêmito no estômago, a irrealidade do pesadelo, o
mergulho nas lágrimas. Pois no luto nada “fica no lugar”.
Prossegue-se emergindo de uma fase, mas ela sempre volta.
Vai e volta. Tudo se repete. Estou andando em círculos, ou
ouso esperar que esteja numa espiral?
Se se trata de uma espiral, porém, estou subindo ou descendo?
Quantas vezes — será que para sempre? — quantas vezes
o vasto vazio me deixará atônito como uma completa novidade
e me fará repetir: “Jamais compreendi minha perda até
este momento”? A mesma perna é amputada vez após outra.
O primeiro momento em que se enterra a faca na carne é
sentido repetidas vezes.
Costumam dizer que “O covarde morre muitas vezes”. O
mesmo se dá com a pessoa amada. A águia não encontrava
em Prometeu um fígado regenerado para despedaçar cada
vez que jantava?"

"A dor da perda é como um grande vale, um vale sinuoso que
a cada curva pode revelar uma paisagem totalmente nova.
Mas, como já observei, não em todas as curvas. Vez por outra,
a surpresa é a curva à frente; você depara exatamente
com o mesmo tipo de campo que julgou ter deixado quilômetros
atrás. Eis quando você se pergunta se o vale não é
uma trincheira circular; mas ele não é. Há recorrências parciais,
mas a seqüência nao se repete."

"O louvor é
uma forma de amor que sempre traz em si algum componente
de alegria. Louve na ordem certa; a Ele, como o doador;
a ela, como a dádiva. Será que, de alguma forma, no
louvor alegramo-nos com o beneficiário desse louvor, embora
estejamos distantes da coisa louvada?"

"Se você se aproxima dEle não como uma meta, mas como
uma estrada, não como o fim, mas como um meio, você na
verdade não está aproximando-se dEle."

"Senhor, são essas as suas verdadeiras palavras? Só poderei
encontrar Fi. de novo se aprender a amá-lO tanto, que não
me preocupe com encontrá-la? Senhor, preste atenção em
como isso parece para nós. O que pensariam de mim se eu
dissesse aos meninos: “Nada de balas agora; mas quando
vocês crescerem e não tiverem realmente vontade de chupar
balas, vocês terão a quantidade que quiserem”?"

"Se eu soubesse que ver-me separado eternamente de H. e
ser eternamente esquecido por ela haveriam de emprestar
a seu ser uma alegria e esplendor maiores, evidentemente
eu diria: “Fogo à frente”. Assim como se, na Terra, eu pudesse
tê-la curado do câncer não a vendo nunca mais, eu teria
tomado providências para não vê-la de novo. Eu teria
sido obrigado a fazer isso. Qualquer pessoa decente o faria.
Mas o caso é bem outro. Não se trata da situação em que
me encontro."

"Quando apresento essas questões a Deus não deixo de ter
uma resposta; mas, em vez disso, uma variável do tipo “sem
resposta”. Não se trata da porta fechada. E mais como uma
contemplação silente, com certeza não impiedosa. Como se
Ele meneasse a cabeça não em recusa, mas deixasse de lado a
pergunta. Algo como “Fique em paz, meu filho; você não
entende.”. E mais como um olhar fixo e silencioso, com certeza
não impiedoso."

"Pode um mortal fazer perguntas que Deus considera não
passíveis de resposta? Absolutamente, sim. Todas as perguntas
sem sentido não são passíveis de resposta. Quantas horas
há num quilômetro? O amarelo é quadrado ou redondo?
Provavelmente, metade das perguntas que fazemos — metade
de nossos grandes problemas teológicos e metafísicos — pertençam
a essa categoria."

"Pensa-se comumente que os mortos nos vêem. E admitimos,
com razão ou não, que, se eles nos vêem, vêem-nos de
modo mais claro do que antes. Será que H. agora vê exatamente
o quanto de palavrório ou retórica havia no que ela
chamava — e eu chamo — de meu amor? Que assim seja.
Olhe o melhor que puder, querida. Eu não esconderia, se
pudesse. Nós não idealizamos um ao outro. Não tentamos
manter quaisquer segredos. Você conheceu a maioria dos
“podres” em mim. Se agora vê algo pior, posso aceitá-lo.
Você também. Dê bronca, explique, zombe, perdoe. Pois
esse é um dos milagres do amor. Ele concede — a ambos,
mas talvez principalmente à mulher — uma capacidade de
ver além de seus próprios atrativos e, ainda assim, sem perder
o encanto."

"Certa ocasião, bem perto do final, eu disse: “Se você
puder... se lhe for concedido... venha até mim quando eu
também estiver em meu leito de morte.”. “Concedido!” ela
prometeu.. “O Céu iria ter um trabalho danado para me
deter; e, quanto ao Inferno, eu o faria em pedaços.” Ela tinha
consciência de que usava uma espécie de linguagem
mitológica, com uma pitada de comédia. Havia uma cintilação
e uma lágrima no olho; mas não havia nenhum mito,
nenhuma piada acerca da vontade, mais profundos que qualquer
outro sentimento, a emanar dela."





A Anatomia de uma dor - C.S. Lewis

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